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Célia Santana e o Núcleo de Mulheres Empreendedoras: rede que transforma propósitos

Nesta entrevista, Célia Santana, gestora do Núcleo de Mulheres Empreendedoras de Camaçari, revela como sua trajetória pessoal deu origem a uma das redes de apoio mais significativas para mulheres que empreendem na cidade. A partir de sua própria experiência de recomeço profissional, ela transformou uma dor coletiva -a solidão do empreender – em um espaço de acolhimento, estratégia, formação e liderança feminina. Célia compartilha os desafios, as inspirações e o impacto do Núcleo na vida das participantes, mostrando como a colaboração, a troca e o fortalecimento mútuo têm guiado a construção de um ecossistema onde mulheres se reconhecem, prosperam e lideram com propósito. Vem ver:

Como nasceu o seu projeto e o que te inspirou a criá-lo?

O Núcleo de Mulheres Empreendedoras de Camaçari nasceu da minha própria vivência. Após pausar a carreira executiva para me dedicar à maternidade, enfrentei o desafio de recomeçar profissionalmente. Quando parei para a maternidade aos 40 anos, fiquei dois anos totalmente voltada ao meu filho. Depois desse período, retomei a vida profissional trazendo minha empresa e ingressando no mercado como empresária. Foi nesse processo, aliado à minha pós-graduação focada em empreendedorismo feminino, que senti na prática a dificuldade de empreender sozinha.

Buscando apoio, encontrei o Projeto Empreender. Na época, realizei um trabalho para a Associação Comercial de Camaçari e percebi que o Empreender estava inativo. Minha experiência prévia e a minha própria sensação de solidão no mercado despertaram em mim a clareza de que outras mulheres da cidade viviam a mesma necessidade.

Dentro desse contexto, propus a criação do Núcleo de Mulheres Empreendedoras. O projeto funcionou por dois anos e, quando encerrou, ficou evidente que muitas mulheres se sentiram órfãs, sem uma rede de apoio estruturada. O Núcleo era multissetorial, reunindo mulheres de diferentes áreas, todas com demandas específicas e que precisavam de suporte contínuo.

Dessa percepção nasceu a ideia de continuidade. Em 2019, transformei a iniciativa no Núcleo de Mulheres Empreendedoras como ele existe hoje. 

Qual dor ou necessidade feminina você sentiu que precisava acolher ou transformar através dele?

Ver o quanto as mulheres se sentiam sozinhas e inseguras sem rede de apoio. O Núcleo existe para responder a uma necessidade central: o acolhimento e a estruturação da mulher que empreende. Muitas vezes, a sobrecarga de funções — trabalho, casa, filhos, responsabilidades emocionais e financeiras — gera uma sensação profunda de solidão. De repente, ela se vê empreendendo, cuidando de tudo ao mesmo tempo e sem ter com quem compartilhar dúvidas, dificuldades e decisões. Chamamos isso de “solidão do empreender”.

O Núcleo atua diretamente nesse ponto, reduzindo a insegurança de mulheres que têm conhecimento e experiência, mas não têm uma rede de apoio para validar, orientar ou potencializar suas ideias. Também ajuda a superar a dificuldade de transformar conhecimento em ação prática no mercado. É comum que essa mulher saiba muito, mas não esteja preparada estrategicamente para se posicionar, crescer ou sustentar seu negócio.

Dentro do Núcleo, esse processo acontece de forma compartilhada. Reunimos profissionais de diversas áreas, cada uma com sua expertise, e essa multiplicidade permite trocas que aceleram soluções. Questões que poderiam perdurar por anos são resolvidas rapidamente com o relato de outra mulher, do mesmo ou de outro segmento, através do networking e do apoio mútuo. A insegurança diminui à medida que ela percebe que não está sozinha.

E quando essa mulher não sabe por onde começar ou como planejar o crescimento do seu negócio, o Núcleo assume esse papel. Estruturamos, orientamos e ajudamos a organizar os passos para que cada empreendedora avance com clareza, propósito e estratégia.

Quais foram os maiores desafios para colocar essa ideia no mundo? E o que te manteve firme?

Tivemos vários e ainda temos. O maior deles, inicialmente,  foi romper com a inércia cultural e construir um espaço de confiança mútua. A mulher ainda está aprendendo a viver relações profissionais baseadas em cooperação, troca e vulnerabilidade. Empreender exige abrir a própria história, mostrar dificuldades, expor fragilidades. Convencer essas empreendedoras a se abrirem sobre seus negócios e desafios demandou tempo, constância e demonstração real de comprometimento – tanto da minha parte, como consultora, quanto da parte delas, que aos poucos foram criando uma verdadeira rede de apoio.

O que manteve o Núcleo firme foi o impacto visível no desenvolvimento individual de cada integrante. Ver mulheres ganhando confiança, levando sua voz para o mundo, validando seus produtos, iniciando palestras, melhorando indicadores, aumentando vendas, abrindo novos negócios. Na pandemia, por exemplo, mulheres que já tinham estruturado o delivery sentiram menos impacto justamente por estarem mais preparadas.

A transformação é concreta. Mulheres que antes hesitavam, que tinham medo, hoje reconhecem que não é sobre ter coragem, e sim sobre ter atitude. O medo existe, mas quando ele paralisa, nada se constrói. O grupo funciona como suporte para que cada uma possa dizer: “Eu vou. Há pessoas que confiam em mim, há pessoas caminhando comigo.”

A formação dessas mulheres, atuando com mais assertividade em suas gestões, fortalecendo seus negócios, ou até se desafiando em novas profissões e transições de carreira, é a prova de que o investimento de tempo e energia vale a pena. É isso que me mantém firme no propósito: mulheres precisam – e merecem – ter uma rede de apoio para empreender e prosperar.

O que mais te emociona em ver outras mulheres se conectando com o que você construiu?

Com certeza é testemunhar o crescimento da autoestima e da autonomia das nossas integrantes. É profundamente significativo ver mulheres que antes se sentiam invisíveis no cenário do empreendedorismo – seja no âmbito municipal, local ou até nacional – ganhando voz, ocupando espaço e sendo reconhecidas.

Há um ponto especialmente tocante: nossa ligação com causas sociais. A Corrida Outubro Rosa, por exemplo, marcou profundamente o grupo. Em uma sala com 38 mulheres, dez enfrentavam problemas relacionados ao câncer de mama — algumas já haviam partido por causa da doença. Transformar essa dor coletiva em mobilização, conscientização e apoio a outras mulheres é algo que emociona de verdade e dá um sentido ainda maior ao meu trabalho de gestão do grupo e do projeto.

Esses momentos mostram que o Núcleo vai muito além do empreendedorismo. É sobre vida, pertencimento, cura e força compartilhada.

Como o seu projeto tem ajudado a fortalecer a voz e o protagonismo de outras mulheres?

Oferecendo ferramentas e condições para que essas mulheres sejam reconhecidas como líderes econômicas em seus segmentos. Organizamos eventos e campanhas que colocam a empreendedora de Camaçari no centro das discussões municipais, não apenas como apoiadora, mas como organizadora, influenciadora e protagonista de ações e causas relevantes.

O núcleo está sempre aberto para acolher as necessidades de cada segmento. Trazemos essa mulher para perto e a colocamos no lugar de liderança que lhe pertence. Esse movimento força o mercado e a comunidade a reconhecerem a capacidade de gestão e a força econômica presentes nos negócios liderados por mulheres. Em cada empreendimento conduzido por mulheres existe uma potência significativa, que merece ser vista e valorizada.

Dessa forma, o núcleo cumpre seu papel de fortalecer o protagonismo feminino.

Quando você se manifesta através desse projeto, o que sente que se transforma em você e no coletivo feminino?

Ao me manifestar através do trabalho do núcleo, sinto que minha própria jornada de reestruturação profissional se completa e se transforma em propósito de vida. Torno-me um canal de empoderamento para essas mulheres e, nesse processo, a troca é o que mais me move. Não se trata apenas de ensinar ou liderar, mas de compartilhar. Cresço e evoluo junto com elas.

Percebo em mim a passagem de uma experiência pessoal para uma missão verdadeiramente coletiva. Acredito que, no coletivo feminino, o que se transforma é a mentalidade: saímos da sensação de escassez e solidão para uma perspectiva de abundância e colaboração.

Seguimos capacitando, inspirando e conectando mulheres de diferentes segmentos a cuidarem de seus negócios e a se transformarem como pessoas. A manifestação da minha liderança no núcleo me mostra que o sucesso não é um jogo unilateral. A soma é sempre maior que cada parte individual. Esse sucesso é construído pelo apoio mútuo, pela troca de experiências, pelo compartilhamento de know-how, de rede e pelo reconhecimento de que juntas podemos superar os desafios específicos que enfrentamos como gestoras e como pessoas em constante evolução.

Acredito que quanto mais grupos de apoio ao empreendedorismo feminino existirem, melhor. Quanto mais espaços onde as mulheres possam se fortalecer e quebrar o isolamento, maior será o sucesso dos nossos negócios.

Foto de Manifesta Feminina

Manifesta Feminina

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