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Ancestralidade, Psique Feminina e Autocura: Eliana Martins, trajetória que Inspira

Eliana do Nascimento Martins construiu uma trajetória dedicada ao cuidado profundo, à escuta sensível e ao fortalecimento dos vínculos que sustentam a vida. Psicóloga, consteladora familiar e facilitadora de grupos terapêuticos e vivências sistêmicas, ela atua em atendimentos presenciais e online, individuais e em grupo, sempre com a intenção de acolher histórias, reorganizar movimentos internos e abrir caminhos de consciência. Formada em Psicologia desde 2016, é especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia Sistêmica Familiar, com formação internacional em Constelações Familiares.

Residente de Camaçari desde 2012, Eliana desenvolve seu trabalho com profundo amor pelo ser humano, pelas mulheres e pelas relações que nos formam. Filha de Maria Lúcia e Renato, esposa de Bruno e mãe de Isabela e Sophia, integra em sua trajetória profissional e pessoal um olhar amoroso para os vínculos, a ancestralidade e o fluxo da vida. Apaixonada pelas flores, pela natureza e por boas companhias, acredita que todo processo de cura começa quando escolhemos olhar para nós com respeito e amor. É essa visão – humana, sensível e transformadora – que ela compartilha nesta entrevista.

O que te levou a escolher o caminho do cuidado e da escuta como missão de vida?

A minha primeira formação foi em Segurança do Trabalho. Atuando como técnica na manutenção, na construção civil e nas empresas do Polo Petroquímico de Camaçari, encontrei um aspecto do cuidado à saúde do trabalhador que me marcou profundamente: perceber como fatores emocionais estavam ligados aos riscos e aos acidentes. Nas investigações que eu conduzia, ao analisar o que desencadeava cada situação de risco, esses fatores emocionais sempre se destacavam. Ali tive meu primeiro contato com a importância de uma saúde mental fortalecida para que o trabalhador exerça bem suas funções e retorne para casa em segurança.

Paralelamente, nessa mesma rotina, eu própria passei a precisar de cuidado. Vivia uma jornada intensa, de domingo a domingo, e desenvolvi questões emocionais, como ansiedade. Sofri um assalto a caminho do trabalho e, a partir desse episódio, desenvolvi um quadro de pânico. Precisei olhar para isso com seriedade. Foi a primeira vez que vivi, na prática, o impacto da falta de saúde mental diante de agentes externos.

E foi justamente nesse processo de busca por cuidado que conheci, pela primeira vez, a Psicologia. Aquilo despertou meu interesse, e decidi iniciar a graduação. No meio desse caminho, eu estava recém-casada, vivendo dinâmicas que atravessam a vida de uma mulher nesse momento de transição. Mais tarde vieram os filhos, novas dinâmicas, novas demandas. Tudo isso foi reforçando ainda mais a compreensão de que o cuidado é o fio condutor que nos permite sustentar as escolhas que fazemos e seguir adiante com equilíbrio.

Como a sua trajetória, em ser mulher, atravessa a profissional que você se tornou?

A minha trajetória nasce da minha própria busca pessoal: olhar para mim, me conhecer, me cuidar e organizar minhas experiências para viver minhas escolhas da melhor forma possível. Nesse movimento, mergulhei no saber da psique feminina, estudando o feminino e compreendendo como eu precisava ir cada vez mais fundo para descobrir quem eu era e o que desejava, sobretudo porque muitas escolhas já tinham sido feitas antes de eu ter qualquer orientação ou referência.

Foi conhecendo o trabalho de outras mulheres e escutando suas histórias que comecei a me reconhecer. As narrativas dessas mulheres me convidavam a acessar partes minhas que estavam adormecidas.

O processo de servir nasce também da necessidade de aprender a se servir. A dor que muitas mulheres sentem é, em grande parte, uma dor coletiva. O autoconhecimento nos permite enxergar caminhos para romper padrões, repetições e ciclos de dor que, muitas vezes, são convenientes ao sistema, que espera que mulheres se submetam a determinadas situações às custas de sua saúde mental, de suas relações familiares e da dinâmica com os filhos.

Foi mergulhando na minha própria história que me tornei a profissional que sou hoje. Existe uma frase que me guia profundamente: “A gente só leva uma pessoa pelos caminhos que também já percorreu.” Sou grata por ter recebido essa frase como uma orientação viva. Sigo me conhecendo, me reconhecendo e me aprimorando para, a partir desse lugar, caminhar ao lado das minhas clientes, apoiando-as a encontrar soluções nas suas próprias dinâmicas, assim como fui e continuo sendo guiada por profissionais que me ajudam a trilhar o meu caminho.

Quais desafios você encontra ao cuidar de outras pessoas enquanto também precisa cuidar de si?

Uma das maiores dificuldades que vivi e que durante muito tempo funcionou como um grande impedimento  foi a incapacidade de pedir. Pedir ajuda, pedir orientação, pedir socorro. Eu vinha de um modelo de mulher “desenrolada”, inteligente, que dá conta de tudo e faz muita coisa sozinha. Isso me colocava, muitas vezes, numa postura de arrogância: enfrentar dificuldades sozinha, sustentar pesos desnecessários simplesmente por não buscar suporte.

Quando entendi que esse caminho tornava tudo mais difícil e mais pesado, reconheci que eu precisava, sim, de alguém que soubesse mais do que eu para me guiar. A partir daí, tudo ficou mais leve. Ficou mais fácil conciliar o cuidado comigo mesma, me colocando como prioridade e reconhecendo que sou agente da minha própria transformação mesmo sabendo que ainda tenho muito a aprimorar.

O fato de já ter avançado em algumas questões me fortalece para cuidar de outras pessoas com coerência. Essa coerência nasce do meu próprio processo terapêutico: do que já percorri, do que continuo percorrendo e dos benefícios reais que esse caminho me ofereceu. É esse pilar que me faz colocar meu cuidado como prioridade, para que eu esteja inteira e disponível para cuidar das minhas clientes.

Muitas vezes,  a cliente traz situações que não imaginamos, mas que, por ressonância, tocam em nossas próprias histórias – coisas que já vivemos, estamos vivendo ou estamos prestes a viver. Por isso, é essencial reconhecer nossa humanidade, nossas fragilidades e nossas limitações: até onde podemos caminhar com aquela pessoa e quando precisamos estudar mais, buscar supervisão ou suporte. Essa troca é fundamental para auxiliar e também para nos auxiliar.

Outro desafio frequente é administrar o tempo, equilibrando vida pessoal e profissão. Sempre precisei olhar para isso com atenção. Fazia pouco sentido para mim cumprir todos os papéis que as minhas escolhas trouxeram – ser mãe, esposa, profissional – sem considerar também a minha individualidade. Em alguns momentos, essa individualidade precisou esperar, porque outras demandas eram urgentes. Quando minhas filhas eram pequenas, muitas vezes precisei me deixar de lado para poder atendê-las, especialmente porque minha graduação coincidiu com o período em que eu estava maternando. Por isso, tive o privilégio de abrir mão do trabalho nesse primeiro momento e, só depois de concluir a graduação, retornar ao mercado já exercendo a Psicologia.

O percurso tem muitos desafios, e cada fase traz características diferentes. Aqui em casa sempre tivemos um combinado: o trabalho precisava caber na vida pessoal e na família. Houve um período em que eu trabalhava apenas enquanto elas estavam na escola. Passava a manhã com elas, levava para a escola, trabalhava à tarde, recebia quando chegavam, e seguíamos juntas o restante do dia – com tarefas domésticas e o cuidado que a maternidade sempre exige. Foi uma das melhores escolhas, porque me permitiu acompanhar de perto o crescimento delas enquanto investia no meu próprio desenvolvimento profissional.

Lembro de uma fala da minha filha mais nova, quando ela estava com cerca de cinco anos. Naquele período, eu trabalhava dois dias inteiros, e nesses dias as meninas ficavam no integral da escola. Um dia, cansada da rotina, sentindo saudade, a caçula me disse: “Mãe, você está trabalhando muito.” Aquilo me atravessou. Parei para refletir sobre o que eu estava fazendo. Expliquei a ela o valor e o sentido do trabalho, e também que eu gostava muito do que fazia. Mas prometi que iria me organizar melhor para estar mais presente.

Essa experiência me marcou profundamente. Percebi que tudo tem consequência e que podemos, sim, encontrar formas de minimizar a ausência oferecendo presença com qualidade quando é possível estar. No ano seguinte, deixei o trabalho na clínica e fiquei apenas com o consultório particular, onde eu mesma organizava minha agenda. Ajustei tudo para trabalhar somente no turno em que elas estavam na escola. Isso tornou a vida muito mais leve – para mim e para elas.

O que mais te emociona no teu trabalho – aquele momento em que você sente que está fazendo a diferença?

Muitas coisas me emocionam, mas posso destacar algo muito especial. Sabe quando recebemos uma pessoa sofrida, abalada, confusa, desesperançosa, que chega à psicoterapia enxergando ali uma última possibilidade? Ao mesmo tempo em que ela encontra um caminho de esperança, de recomeço e de transformação, vai percebendo que existem camadas internas – muitas vezes invisíveis para ela – que sustentavam aquele sofrimento. Ver esse processo acontecer me toca profundamente.

Emociona acompanhar o caminhar conjunto, o processo de descoberta, esse movimento em que, quando as mulheres decidem olhar para si, começam a encontrar internamente as respostas de que precisam para chegar onde desejam. E, quando chegam sem saber o que querem, também é emocionante vê-las olhar para dentro e encontrar ali a direção – assumindo as escolhas e as consequências das novas decisões.

Me emociona muito quando uma mulher chega com um nível alto de dependência emocional, dizendo “não” para si o tempo inteiro, e começa, pouco a pouco, a se dizer “sim”. Junto a isso, aprende a estabelecer limites, a se posicionar melhor, a identificar quais relações precisam ser reorganizadas. É profundamente bonito testemunhar essas pequenas mudanças que geram transformações enormes, promovendo bem-estar e maturidade emocional – a capacidade de reconhecer o que sente, separando isso das expectativas externas que dizem como ela deveria ser, agir, pensar ou sentir.

Quando a mulher começa a validar seus próprios sentimentos, seus pensamentos e o modo como deseja conduzir sua vida, é como vê-la desabrochar. E quando ela passa a distinguir o que é dela, o que pertence ao outro, o que vem da sua história e o que já pode deixar para trás, isso é extremamente gratificante.

Me emociona perceber as mudanças de percepção, ouvir as novas reflexões e acompanhar como a vida delas vai se tornando mais leve, mais próspera e mais fluida. Isso acontece quando elas começam a se sintonizar com quem realmente são e com aquilo que desejam – reconhecendo que o que as trouxe até aqui não é o que as levará ao próximo passo. Muitas vezes, esse movimento envolve um processo íntimo de assumir responsabilidade pelo que precisam deixar de fazer. E, muitas vezes, deixar de fazer é mais difícil do que iniciar algo novo.

É um caminho muito bonito de ver e acompanhar – e isso me devolve um retorno imenso, humano e profissional.

Como você acredita que o autoconhecimento e a saúde mental podem transformar a vida das mulheres?

Eu vejo o autoconhecimento como o primeiro passo para colocar a mulher em sintonia consigo mesma. É o caminho que permite se conhecer, se desmisturar do coletivo, do sistêmico, do familiar. É o retorno para dentro, para reconhecer suas potências e também aquilo que trava, aquilo que está na sombra e impede que o próximo passo seja dado. O autoconhecimento é um portal.

E o conhecimento que vem de fora precisa ser filtrado. Aquilo que não nasce de dentro, mas é colocado pelo sistema, pelas idealizações, pelas projeções familiares e sociais, exige cuidado. É necessário avaliar se o que é projetado e esperado realmente faz sentido para a vida da pessoa e para o que ela deseja. Porque é justamente isso que interfere diretamente nos processos de saúde.

As relações externas, primeiro com a família, depois com o social, produzem implicações profundas na saúde por meio dos traumas, das violações e das violências que deixam marcas e fragilizam a saúde mental. Por isso, é tão importante que as mulheres compreendam que o autoconhecimento é um processo sem fim: um percurso de começo, meio e meio. Estamos sempre caminhando, descascando nossas camadas, abrindo novas pétalas, aprofundando um pouco mais.

Cada fase da vida traz possibilidades e demandas diferentes. Com cada nova descoberta e cada novo ciclo, é necessário mais conhecimento para entender como equilibrar quem somos e o que queremos  e fazer com que essas coisas aconteçam da melhor forma possível.

Assim, a saúde mental pode se manter estável, as emoções podem ser validadas, os pensamentos organizados e os comportamentos coerentes com o que sentimos e pensamos. Acredito profundamente no poder do autoconhecimento para os processos de saúde mental e também de saúde física, porque vejo que tudo é uma coisa só. E é um caminho que sempre precisaremos trilhar, porque muitas questões retornam e retornam nos momentos exatos para que possamos dar novos passos.

Quando você se manifesta através desse trabalho, o que sente que se transforma – em você e no coletivo feminino?

Primeiro, porque atendo a mim mesma. Quando consigo reconhecer a minha verdade e usar minha sensibilidade para transmitir algo que vem da essência, de uma base de valores e de coerência comigo mesma, atraio para perto apenas quem também consegue sustentar e manifestar sua própria verdade, sensibilidade e coerência. Sem estar preso ao medo da vulnerabilidade, ao medo do julgamento ou à preocupação com a aparência. Porque não é sobre o outro; é sobre si.

Nesse compromisso consigo mesma, é muito bom poder expressar, de forma autêntica, esse encontro interno e essa condição humana – imperfeita, mas, ainda assim, fantástica. É ser o melhor possível dentro do que se tem naquele momento para entregar. É sobre isso.

Foto de Manifesta Feminina

Manifesta Feminina

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